sexta-feira, dezembro 10, 2004

Nevoeiro... (ou sombras de saudade)

Nevoeiro que se constrói da respiração de quem já não tem luz a habitar-lhe os olhos. O ar escuro e cortante, frio em todos os cantos das mãos. Já é noite nos lábios que se não deixam beijar. Há, ao fundo de um quadro, alguém que se ri; ao fundo de um espelho, uma sombra que se afasta correndo e fugindo na profundidade de um reflexo que em tempos foi palpável, que em tempos conseguiu saber sorrir. Ali... o vento deixou de soprar. O último murmúrio de ar e água esvoaçante desapareceu no teu cabelo. Corres para a praia. Também o mar desisitiu, baixou os braços: não vês a espuma das ondas invadir o areal. As pegadas na areia levantaram voo. As gaivotas agora esqueceram como voar. O Sol teima em não se pôr. Os olhos que tens parecem querer não ser os teus. E queres fugir para quem tem no cabelo todas as ondas de um mar que te enche os olhos de saudade. Para quem tem nos olhos o pôr-do-Sol que não viste do outro lado do horizonte. Queres fugir para quem tem nas mãos as pegadas que deixaste na areia deserta, as tuas pegadas. Tu. Os teus olhos pertencem-lhe. Sabes disso...

Chove nas palmas das tuas mãos. Chove nos teus braços. Levantas-te e sacodes o ar à tua volta. Queres atirar um beijo para longe daí. Sabes a quem o queres atirar. E tens uma parede fria que te arrepia as costas, tens ainda chuva onde não sabes onde tens. Tens ainda olhos para ver o que sabes que queres ver. Ainda. Não tarda será noite. E a luz será outra. Chorar não adianta. Não. Nunca. Já o devias ter aprendido. Assim nunca sairás de onde te perdeste. Acordaste. Por segundos sentiste-te no chão frio de uma rua cheia de armazéns, perto de um rio. Depois foste descobrindo os lençóis onde dormias. Tens um dedo a apontar o escuro no ar. Há traços de luzes no céu, há linhas curvas que pertencem a um beijo que perdeste por um minuto, há figuras que se sobrepõem e caem, desintegram-se à medida que vais passando porque não querem existir se não voltas atrás. O céu hoje parece-te mais claro. Mas não acordaste ainda. Quando olhares pela janela verás que o céu se pintou de escuro para ti. E um fogo que te circunda e cerca os pés e que sobe pelas tuas pernas mas não te queima. Um fogo de ver, um fogo de sentir, um fogo que não vês mas que arde em ti. Em cada beijo que sobe no ar.

O coração que tens à frente parece querer bater dentro de ti, bem perto do que tens metido no peito. Há, no espaço, o desenho de uma sincronia geométrica, linhas paralelas que se deixam cruzar, eletricidade vibrante que choca contra as paredes e se desfaz em partículas minúsculas... Doces nevoeiros de beijos invadem-te os lábios, percorrendo depois o teu corpo, mesmo por debaixo da tua pele. Doces nevoeiros feitos da tua respiração vagueiam por um quarto que não se deixa adormecer. Doces nevoeiros de quem não queres que vá... Doces nevoeiros de quem queres para sempre. No ar, para sempre.