sexta-feira, outubro 15, 2010

Como se fosse uma imagem proibida, como se a refracção da luz mais clara do dia nas pedras escurecidas do castelo lançasse na sombra um rio desde a fresca nascente até ao doce estuário, como se na copa das árvores se pudesse apenas ver o chão que nos reclama, as paredes já pouco brancas das casas que nos dão os ombros perderam o toque furtivo dos teus dedos, e foi um dia de sol que os levou, ainda a primeira luz horizontal nascia a dois braços da minha janela, e os olhos que a seguiam, onde foram pousar, quem os cegou com o toque furtivo de dois dedos que implacavelmente avançavam debaixo do gelo e da sombra para me encontrar, fomos por esses desertos à procura dos rios irmãos até que as sandálias que nos levavam não puderam mais, então as deixamos sob um sol desenhado a prumo, os nossos pés, depois, caminharam nessas areias onde o contorno do corpos que nelas se deitam de noite fica gravado através dos séculos, e assim ficará gravado nas areias do deserto, próximas dos rios irmãos, o desenho dos nosso corpos

e lá em cima

a luz que caía das pedras do castelo atirava os seus braços esguios e luminosos a uma profundidade desconhecida, estelar e fria, sempre os corpos mais frios e distantes aceitam os calor que lhes chega, a estes não se pode recusar, ainda que magra lhes chegue, a luz que das muralhas nasce.

sexta-feira, julho 09, 2010

Junho,
assisto à glória nascente das tuas manhãs.

E é uma manhã de muitas colinas,
a que se despede da lua
e a lua são dois cavalos brancos.

E ao longe
loiros cabelos povoam os espaços
nos campos onde foi Tróia.

Por essa colinas é que eu iria,
finalmente,
descalço e só.

terça-feira, abril 13, 2010

Oxalá seja essa cor a tua cor verdadeira, oxalá sejamos amantes sem tecto, amantes sem terra e sem dinheiro, porque teremos nós de existir tão perto do fim do mundo, porque serão as manhãs cada vez mais curtas, a morte não te há-de matar, os deuses não te hão-de levar, eu sonho com muitos sábados de sol em que saímos ao sol e debaixo do sol pedimos mais sol que venha queimar-nos os joelhos, e a metade verde dos braços, eu sonho ainda outras vezes com um velho fiat 127 azul debaixo do sol de um sábado de sol e a música no rádio a tocar num dia de glória, a glória será não esquecer tudo isto, tudo isto e tudo isto é muito pouco para se esquecer, terás os teus dias na sétima cor que invadiu a península, ao sétimo dia de marcha os pés cansaram-se, as mãos não puderam tapar mais os olhos, que cegaram, e a música renasceu na fronteira entre a montanha e a planície, quem poderá dizer, a morte não te há-de matar, viverás, oxalá sejamos amantes quando viveres, diz se vives por favor, ou se já nasceste, quero ir ver-te onde as manhãs não forem tão curtas, encontrar-te-ei e poderemos então falar, respirar a mesma flor na mesa de cabeceira, ouve, estaremos sós?

segunda-feira, março 01, 2010

Encontro no mapa
a geofrafia impossível
de uma rua descalça
um país que jaz
um país que se desfaz

debaixo dos escombros,
em ditirâmbos azuis,
o teu cabelo ondula
é a metamorfose completa
e ideial
dos sentidos
que se esvaziam
e o ceú
esse véu-cascata escuro
que trazias
está no chão finalmente
e o sorriso original
dos dias
de luminosidade clara.
Nada que diga destas escadas que ora sobem ora descem, frias da pedra onde escolheram viver, nada que diga dos dias de luminosidade clara que se evaporam depois da porta pequena e verde a lembrar os antigos portões da cidade resgatada aos povos das estepes, nada que diga dos teus passos - tão pesados - que lentamente subiram pela tarde vermelha do sol que a tingia, nada que diga da tua saia, do perfil teutónico dos teus ombros, nada que diga será tão largo como a onda mais verde, mais fundo que a profundeza oceânica, e mesmo sabendo, mesmo sonhando talvez que esses ombros jamais cruzarão os portões verdes da cidade resgatada, depois os arcos da torre antiga, e logo depois dela a porta da barbacã com o escudo da nacionalidade a envelhecer, e subindo, subindo, os degraus quebra-costas, os teus ombros jamais cruzarão a passagem inferior na sombra das casas a queimar a floresta em troca de calor, e nunca, nem no tempo-breve nem no tempo longo, sentirão a brisa piramidal que corre no vão das escadas em desejo antecipado.