sexta-feira, setembro 10, 2004

Simetrias (noite)

O chão. A terra. De noite, a marca longitudinal do amanhã. O grito da luz, imagens difusas ao redor, volteando frenéticas; a humidade. Passos estridentes no silêncio das ruas. Paralelismos imperfeitos. Luar. Janelas e varandas que se debruçam do alto das telhas e quase nos atingem. Paredes frias, congeladas no tempo. Um rio ao longe, ou bem mais perto do que parece. Perto, a voz dormente de um corpo adormecido. Aqui e ali... ou por todo o lado. Toda a obliquidade prevista hoje não quis aparecer. Furacões a descansar. Cristais de um feixe de luz escura, invisíveis; cartas em branco espalhadas num mesa, sem selos. Praças mostrando o umbigo das cidades, quase perdendo a vontade de estar. Ficar. Adeus. Domingo à noite. Ou Quarta-Feira. Passos atrasados. Uma rua que sobe. Outra que desce. Não se encontram. Choram. Ninguém as escreve. E eu também não. Não há luz, dizem. Quero lá saber... Noite, sempre noite. Elas não sabem - é sempre a mesma - e eu não lhes digo. Música. Um gato escorrega ao sair de um caixote do lixo, depois da ceia. Parte o pescoço. Bem feito. Becos sem saída - é noite diante de nós. Alguém diz que num quarto escuro não se pode ver nada. Pura irresponsabilidade. Num quarto escuro pode ver-se a escuridão. Um rasto de tudo, espalhado pelos pontos cardeais. Chiu. Um casal que discute na rua; cospem-se. Merda. Ai. Chuva. Tanto barulho! Fora daqui, gritam todos. E de novo o turbilhão de ar que ousamos respirar, a onda gigante que teimamos em ver passar, em testemunhar... intersecções subterrâneas de mim, escondidas por uma derrapagem aventureira que acabou de ter lugar algures fora da minha janela. Silêncio. É noite. Tudo dorme. Tudo? Eu não, e tu? Cala-te. Não era para responderes. Burra.


quinta-feira, setembro 09, 2004

...consistências...

Chora. Não aqui, não ao pé de mim. Não suporto ver-te chorar. Procura outro sítio, outro lugar, outra escuridão que não a minha. Chora. Longe, onde não te possa ouvir, longe, bem longe daqui. Lágrimas. Tão doce quando se ama. Tão amargas quando se morre. Tu, ou eu só, envolto na maré de fumo baço ao rubro do teu olhar. Húmido, o chão que piso. Habito-te. Alto no ar, aninhado na rajada de vento mais forte. Chora. Mas não para mim. ou então fica, e deixa-me atirar-te um beijo pelo ar da noite.

Caminhos fechados. O luar. Portas, janelas. Correntes de ar que perderam a força, no último sopro que esmorece vivo em nós. Lábios. A primeira linha de defesa de uma fortaleza tantas vezes explorada. Costas fervilhantes, abertas para o Sol. Pele. O campo subjectivo exposto ao toque das mãos. Olhos. Vidrados na côr de outros olhos, simétricos, suspensos na luz que os habita e que teima em fugir para o escuro. Vozes que pairam, longe. O mar. Que outra voz existe tão profunda e intrigante? Azul, revolto, ondas tombantes em espuma. Areia. E de repente um calor esfusiante que vem de ti, no ar, em órbitas elípticas ao meu redor. Choras. Mas não aqui. Choras... onde estás? Chora, chora mais alto! que não te oiço e te quero ir buscar! Chora. Quero-te.

quarta-feira, setembro 08, 2004

De cor

Conheço o amanhecer
dos teus sorrisos.

Sei de cor todas as cores
que me dizes nas primeiras
palavras da manhã.
Tenho a sede da música
que cantas quando abres
os teus braços para mim.
Bebo cada movimento do
teu cabelo, que parece
não ter fim na doçura
e na magia que se levanta
e voa no ar...

Sei-te de cor,
fecho os olhos e voo contigo.
Sei-te de cor,
abro uma página para ti
todos os dias e escrevo-te
um beijo no ar.

Sei-te de cor no meu
coração, nas minhas mãos,
nas minhas lágrimas...
(Blag)

Pensei em ti. Hoje. Desenhei-te, pintei-te, escrevi-te, de mim para mim. Esculpi-te numa pedra de mármore branco, mas um mármore quente e doce, bem diferente de todos os outros. Amei-te, e olha que lá no fundo eu nunca amei tanto assim... Pensei em ti. Sonhei-te, esta manhã, mesmo antes de o Sol me puxar do sono, dos teus braços, hoje mais envolventes da tua ternura. Desvendei-te. Fui descobrindo passo a passo as ondas do teu andar, do teu olhar, do teu mar revolto de segredos. Acordei-te. Acordei-te a meio da noite por te querer de volta, por te querer tanto para mim, por querer tudo o que é teu e tudo o que tocas... Sim, eu sei, acordei-te a meio da noite, mas fi-lo por ter medo de te ter tão longe de mim, por não saber onde estás e por onde andas enquanto dormes. Escrevo-te. Absorvo-te e respiro-te... Dou comigo a pensar em ti com todas as minhas forças, a desenhar-te uma ponte que possas atravesar para me vires dar um beijo. Reinvento-te. Sobrevoo-te. Olho para ti como se te olhasse a última vez antes de partires... Acendo-te. És toda a minha luz, és a vela que acendo para te escrever e para te pensar... Viajo-te, incessantemente, descubro-te de olhos fechados, para te conhecer. Dos teus cabelos aos teus olhos, dos teus sorrisos à pele escura dos teus ombros, imagino-te. E depois amo-te.

terça-feira, setembro 07, 2004

Estou além

Estou além... estou Além-Mar. Estou aquém e além de ti. Sorvo-te; toco-te, de novo, outra vez, repetindo os mesmos gestos, voltando sempre ao princípio, para sempre. Estou Além-Mar, na maré que sou e que enche para te ver caminhar na areia ao som da manhã; na onda que sou e que rebenta e se transforma em espuma para te poder beijar... de novo, para sempre.. num suspiro, para sempre.

De que são feitos os teus sonhos? Que terão a dizer as nuvens e pedaços de céu azul que vens pisando para chegar até mim? Quero ver-te... agora. Posso? Faço um voo baixo e triste para fora daqui, mas levo-te comigo, sabendo que te devia deixar escolher onde queres pousar... Mas não, agora não! Agora quero abraçar-te contra o meu coração, ter-te para mim, voar de mim para ti, desabitar-me e mudar-me para onde estiveres!

Sabes-me a maresia, esta noite. Estás Além-Mar. Respiro-te. Fecho os olhos e vejo-te, ondas escuras ao vento, olhos profundos de cor e de luz. Vem-me procurar esta noite, deixa sair as tuas palavras e um beijo teu de maresia para o Sol, para mim... Estou Além-Mar! Estou aquém e além de mim, fujo-me para ti; reencontro-me sempre noutro lugar, quem sabe bem junto a ti, ou no largo estuário azul dos teus sorrisos.

Sei-te. Conheço a tua luz, a tua voz no escuro, as tuas mãos caminhando e cortando o ar. Quis contar um segredo meu ao vento, baixinho, e deixei-o voar para os teus ouvidos, bem longe daqui:
- Escolhe um pôr-do-Sol. É para ti...